terça-feira, 20 de setembro de 2011

20/09 - Encontro com Daniel Munduruku

Na parte da tarde começamos com a iluminada presença do escritor Daniel Munduruku, que nos recebeu com uma saudação na língua do povo Munduruku que dizia o seguinte: "Boa tarde a todos os meus amigos aqui presentes! Eu espero que este encontro seja tão bom para vocês como vai ser para mim!"
Desde pequeno, Daniel aprendeu em sua aldeia que quem está chegando a um lugar deve estar com o coração bem aberto para que o encontro aconteça de verdade.
Na aldeia, eles não tem o hábito de cumprimentar as pessoas pelo toque, quando querem cumprimentar chegam bem perto, olham bem nos olhos e perguntam "Xipát" que quer dizer "Tudo bem?". Depois sentam e conversam, pois o tempo da aldeia é muito diferente do tempo da cidade, é o tempo da natureza, e a natureza não tem pressa. Nossos olhos são a única parte do nosso corpo que não mentem, por isso olham nos olhos ao se cumprimentarem. Nossos olhos revelam o que estamos realmente sentindo.


No Brasil são mais de 250 povos indígenas diferentes, e o povo Munduruku é um deles.
A escola é um lugar muito importante, onde aprendemos muitas coisas, principalmente a conviver. Na aldeia a escola é a natureza, os pais são os professores e os avós são os grandes mestres. Todos os adultos são professores que observam, orientam e ensinam os caminhos aos mais jovens.
Na aldeia todos têm uma tarefa e o dia começa muito cedo. Quando Daniel era criança não tinha energia elétrica na aldeia e eles seguiam o caminho do sol no céu: quando o sol nascia já estavam acordados e iam dormir pouco depois do pôr do sol.
Daniel também respondeu às perguntas dos alunos. Transcrevo algumas aqui:

Qual é seu ancestral bicho?
DM: No nosso povo temos nossos ancestrais que são nossos avós antigos, aqueles que criaram o mundo e temos nossos outros parentes ancestrais que são os seres que habitaram esse mundo junto com nossos avós. Desde criança a gente aprende a respeitar esses ancestrais e isso faz com que a gente tome muito cuidado com a natureza, não podemos sair destruindo a natureza. Cada um tem um ancestral que cuida da gente. Meu ancestral é um peixe. Quando eu estou estressado, eu vou para o rio conversar com o peixe ou essa conversa pode ser através do sonho. Quando nós temos dúvidas do caminho a seguir, nós chamamos o nosso ancestral.
Um dia, Karú-Sakaibê que é o nosso pai primeiro, criador de tudo, dividiu homens/mulheres e outros seres da natureza, porque eles ficavam aí brigando um com outro. Ele transformou a metade dos seres em homens e a outra metade em aves, peixes, e outros seres da natureza. Só que todos continuaram sendo parentes, mas não conseguiam mais falar um com o outro. Então ele criou o sonho. Quando a gente quisesse falar um com o outro a gente tinha que chamar através do sonho e lá no sonho a gente podia se encontrar e conversar um com o outro. Aqui na cidade o sonho está ligado ao futuro, ao desejo, no nosso povo sonho é algo de hoje, da realidade. Se vocês prestarem atenção nos sonhos de vocês vão ver que eles trazem uma mensagem, vão se encontrar com os ancestrais de vocês.

Quando você veio para São Paulo?
DM: Estou no Estado de São Paulo há 24 anos, em Lorena. Morei cinco anos na cidade.

Você gosta de ser chamado de Daniel formiga grande?
DM: Alguns me chamam de formigão. Nome para a gente é uma coisa muito importante, sagrada. Tanto é que o nome que a gente ganha do nosso antepassado a gente não pode contar para as pessoas, porque é algo que é meu, só meu. Nós temos um sobrenome familiar, o da minha família é Kabá. Nosso sobrenome vem antes do nome. O nome do nosso povo também é como um sobrenome.


Qual foi o primeiro livro que você escreveu?
DM: Histórias de Índio. Ele nasceu assim: quando eu cheguei aqui, me tornei professor, dava aula para o ensino médio e comecei a contar histórias para eles e a partir delas eu dava o conteúdo. Aí resolvi também contar histórias para as crianças pequenas. Um dia eu estava com um grupo contando histórias quando uma menina me perguntou onde encontrava essas histórias para ler. Eu fui pesquisar e vi que não tinha livros escritos por indígenas contando essas histórias para as crianças da cidade. Daí veio a ideia de escrever um texto e responder as perguntas das crianças. O primeiro texto foi sobre o menino que não sabia sonhar e como esse menino foi ensinado a sonhar e a conhecer o sonho dos outros. Esse livro me lançou como escritor há 15 anos.
Meus livros contam coisas que eu vivi, li, ouvi, revelam um pouco do que eu sou.

Quais os estados da aldeia Munduruku?
DM: Pará, Amazonas, Mato Grosso e em São Paulo porque eu estou aqui.

Como é a vida de escritor?
DM: Aprendi a escrever, escrevendo. É fácil escrever? Não. Precisa treinar e não pode se cansar, a gente vai se aperfeiçoando. A vida de escritor é como a vida de qualquer outro, o bom é que não temos um relógio martelando. A criação precisa de tempo, tempo para a história ir se formando dentro da gente. O tempo que demora para escrever cada história depende do tipo de livro, alguns exigem pesquisa e são mais demorados, outros são mais rápidos.


Com quantos anos você aprendeu a subir em árvore?
DM: Desde que nasci. A nadar também. Nossa mãe joga a gente na água desde pequeno.

E a caçar?
DM: A caçar sozinho com 15 anos. Antes disso foi treino, preparação.

O que você gosta de fazer?
DM: Comer, dormir, jogar futebol, ver televisão, navegar na internet, passear com os filhos, namorar, ouvir música, um pouco de tudo.

Você gosta de ser índio?
DM: Não. Porque como eu disse no começo não existe o índio, existem os povos indígenas. Eu gosto de ser Munduruku! Adoro!

Depois das perguntas, Daniel nos mostrou alguns objetos que trouxe: uma bolsa feita pelo povo xavante, penas de mutum que são utilizadas pelo pajés para curar as pessoas, cocar que é utilizado pelo cacique e pelo líder espiritual, maracá, chocalho de perna feito de sementes de pequi, um machado de pedra feito pelos Guaranis e que serve para quebrar coquinho. Ao falar do cocar ressaltou que a pena significa equilíbrio, por isso o cocar só é utilizado pelo líder, pelo chefe.


Terminamos esse encontro maravilhoso com uma música que Daniel nos ensinou. Essa música eles cantam com as crianças da aldeia quando querem convidá-las para brincar. Depois dançamos.

Obrigada, Daniel, por mais este momento tão especial e por compartilhar sua sabedoria conosco!

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